Sal da Vida

Quem me conhece, mesmo que vagamente, sabe o quanto sou completamente fascinada por livros. Posso esquecer do mundo dentro de uma livraria, passeando mesmo por sessões que não me interessam. Isso acontece com certa frequência, aliás, quando vou a Londrina e o hotel fica ao lado do shopping, ou em Ribeirão Preto quando descobri uma livraria linda e cheia de relíquias. Ou o quanto sou ciumenta com meus livros preferidos, ou o quanto fico entusiasmada contando sobre um livro recém lido para alguém. Talvez em algum momento eu faça resenhas por aqui, mas nesse domingo silencioso resolvi falar sobre o sal da minha vida, aquilo que dá sabor à minha vida, baseado nas espirituosas sugestões contidas em "O sal da vida", de Françoise Héritier. A francesa recebe um cartão postal de um amigo em férias e resolve responder, o que acaba criando esse magnífico livreto. Existem prazeres e delícias em nossa vida ligados aos sentidos e a fugazes momentos que podem ser oásis de felicidade em nossa vida tão corrida. Lembrei deste livro pois cheguei sexta em casa, no meu pequeno lar, após 04 semanas em viagem. Chegar de viagem após tanto tempo me exigiu disciplina: primeiro limpar tudo. Tudo mesmo, até dentro dos armários, para somente então desfazer as malas e sacolas. E ir ao mercado, e limpar mais um pouco, e descansar, e ficar em silêncio... E redescobrir as coisas que me fazem feliz aqui. Primeiro o silêncio. Confesso que nunca me pareceu tão bom ficar quieta comigo mesma, depois de semanas em hotéis, e em cidades distintas. Depois, preparar minha comida. Passo tanto tempo comendo comida pronta, e muitas vezes comida ruim, que escolher os ingredientes e preparar minha comida é uma delícia. Qualquer gororoba parece um banquete refinado. Abrir um vinho, ou uma cerveja. Deitar em lençóis limpos e cheirosos, toalhas idem. Reorganizar detalhes da decoração. Abrir um livro e encontrar frases sublinhadas, e me encantar novamente ao reler aquele trecho. Meus shampoos. Meus batons. Meu cabelo solto e natural. Pés descalços. Minha máquina de café e os novos sabores que chegaram. Pintar as unhas. Abrir as cortinas e deixar o sol da manhã entrar. É dessas coisas que fala "O sal da vida", essas sensações e coisas que nos devolvem a nós mesmos. Sal no sentido de sabor, tempero. No final do livro tem um espaço para que o leitor escreva o que é o sal da vida para si, e embora já tenha destacado aqui o foi sal pra mim neste final de semana, destaco algumas coisas que escrevi nas páginas finais do livro:
"despertar antes do despertador; lençóis limpos; um longo banho; cheiro de livro; unhas recém pintadas; bilhetes e cartas e cartões escritos à mão; o primeiro gole de vinho; o cheiro de whiskey antes de beber; olhar no espelho e gostar do que vê; um lindo sapato de salto nos pés; salada de maionese da tia Zete; abraço de criança; abraço apertado; beijo no pescoço; carinho até adormecer; arrumar um armário; receber um passe espiritual; a risada da tia Marisa; ver o sol nascendo; sentir o vento; ver as plantas crescendo; sol e se pondo e dar graças por sua presença; cantar e acertar o tom da música; queijos, todos os tipos; coisas coloridas e brilhantes; tango; reconhecer a música mesmo no início; árvores cheias de frutas; bichinhos novos; o cheiro dos lugares; saber a voz exata de uma pessoa mesmo sem estar com ela; sentir as lágrimas chegando; aceitar os defeitos; ter uma crise de riso; uma massagem; água correndo nas pedras; cheiro de café passado; o nariz da Bibi; ver o quanto estou ficando parecida com a minha mãe; fazer uma cara de braba e ter a certeza que fiquei com a cara do meu pai; as mãos das pessoas; chegar no banheiro em tempo; puxar o edredom no frio; polenta da vó Isa; acompanhar o plantio de arroz; mexer na terra e achar as sementes; alguém mexendo em meus cabelos; tirar um fotografia bonita; provar um novo sabor; quando o beijo é melhor que a expectativa; olhar pra alguém e a pessoa estar olhando pra vc; deitar no colo da minha mãe; sentar na grama e olhar a paisagem; apreciar música clássica de olhos fechados;"

Eu poderia escrever até cansar... Mas, e pra você, o que é o sal da vida? O que dá mais sabor à sua existência?!