Ele e ela, dele e dela
A cena na novela em que a mãe pega um retrato da filha e substitui por uma foto dessa filha já em transição de gênero e diz “adeus Ivana, bem vindo Ivan” foi comovente até pra quem não passou por isso. Eu nunca me senti alheia em meu corpo, e não sei o quanto isso pode ser difícil. Mas eu cheguei quase perto através da leitura. Claro, essa é a minha forma de acessar outras realidades, e se já foi difícil lendo, quando me senti próxima de compreender a dificuldade de se sentir alheio no próprio corpo. Mas preciso explicar como cheguei nessa conclusão... Há uns 4 anos atrás comprei o livro “Todo dia”, do David Levithan, e ano passado comprei “Outro dia”, do mesmo autor. Ambos, contam a mesma história por diferentes ângulos, um dos livros conta a história na versão de A, e outro na versão de Rhiannon. A é uma “pessoa” que cada dia acorda num corpo diferente, e tenta viver a vida daquela pessoa em cujo corpo acordou sem causar estranheza. Até que um dia, acorda no corpo de um rapaz, e vivendo o dia dele, e se apaixona pela namorada dele. E a partir de então começa a procurar por ela mesmo acordando em corpos distantes. Até que ela acredita na história dele, termina com o namorado para tentarem ficar juntos. Mas é sempre muito difícil. Porque em alguns dias os corpos são de meninas, em outros dias de meninos. E ela acha estranho amar a “alma” da pessoa que habita aquele corpo e não aquele corpo.
“As palavras são uma parte do problema.
O fato de existirem palavras diferentes para ele e ela, dele e dela.
Eu nunca tinha pensado nisso antes, em como é segregatório.
Talvez se houvesse um único pronome para todos nós,
não ficaríamos tão presos a essa diferença.
Parte de mim quer perguntar sobre isso, perguntar:
Você é ele ou ela?! Mas sei que a resposta é que A é os dois e nenhum,
e que não é culpa de A que a nossa linguagem não contemple isso.”
A partir do dia em que li isso pensei em tantos amigos que sentem-se assim e nossa incompreensão em lidar com os sentimentos alheios. Eu entendo o corpo que tenho é me sinto à vontade com ele. Mas será que sou gentil com aqueles que não?! A tal empatia, que eu achei que sentia por todos, e só compreendi verdadeiramente quando li essa história de amor entre uma “alma” sem corpo definido e uma adolescente.
“É isso que o amor faz: que você queira reescrever o mundo.
Que você queira escolher os personagens,
construir o cenário, dirigir o roteiro.
A pessoa que você ama senta de frente pra você,
e você quer fazer tudo que estiver ao seu alcance
para tornar isso possível, infinitamente possível.”
Mas acho que falar de amor é tão mais fácil que falar de diferença de gênero... Não é?! Para continuar difícil... Agora vocês terão de descobrir qual citação é de qual livro. Espero ter tocado no assunto com a gentileza que ele merece.
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